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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Vladimir Nabokov – Contos reunidos

Finalizei ontem “Contos reunidos” (Alfaguara, 832 pgs), de Vladimir Nabokov. A obra traz 68 contos (a maioria deles em russo, com exceção de um em francês e dez em inglês) escritos entre 1920 e 1951 e traduzidos com competência por José Rubens Siqueira.

Os contos são apresentados em ordem cronológica, o que permite ao leitor observar os temas, abordagens e estilos que traçam um panorama das relações humanas. Os grandes temas não são tratados diretamente nos contos, mas aparecem como pano de fundo que permeia as circunstâncias de vida dos personagens: a nostalgia do país natal, a ascensão do totalitarismo, a desintegração dos laços com o passado, a necessidade de lidar com a perda e com o destino sempre implacável.

A leitura cronológica permite facilita a análise dos temas, que em um primeiro momento se focam no estranhamento provocado pelo êxodo forçado de russos a uma Europa que não lhes acomoda a alma, migram para enfoques mais ocidentais, sem perder, no entanto, a intensidade e a vibração de um autor que abordava a alma humana em seus mais profundos significados.

Sabores, odores, sons, poesia, encantamento. Tudo isso compõe o texto de Nabokov a partir das descrições dos sentimentos experimentados pelos personagens, como neste trecho do conto “Fala-se russo”:

“A alma de um homem pode ser comparada a uma loja de departamentos e seus olhos, a vitrines gêmeas. A julgar pelos olhos de Martin, estavam na moda cores cálidas, castanhas. A julgar por aqueles olhos, a mercadoria dentro de sua alma era de soberba qualidade.”

Ou neste, de “Um homem ocupado”:

“Numa calma noite de verão ele completou 33 anos. Sozinho em seu quarto, vestido de ceroulas listradas como as de um prisioneiro, sem óculos, piscando, ele comemorou seu aniversário indesejado.”

Ou, ainda, este libelo antifascista em “Tiranos destruídos”:

“Ficarei contente se o fruto de minhas noites insones, esquecidas, servirem por um longo tempo como uma espécie de remédio secreto contra futuros tiranos, monstros tigroides, torturadores imbecis do homem.”

Nabokov nasceu em São Petersburgo (Rússia), em 1899. Oriundo de uma família aristocrática deserdada com a Revolução deixou o país em 1919, durante a guerra civil. Exilado, estudou literatura em Cambridge, na Inglaterra (onde seu pai foi assassinado em 1922), e viveu em Berlim (1923 a 1937) e Paris (1937-1940), quando escreveu seus primeiros contos, em russo, antes de se radicar nos Estados Unidos, onde lecionou em Stanford, Cornell e Harvard.

Seu primeiro livro escrito em inglês foi “A verdadeira vida de Sebastian Knight” (1941), em que já revelava as características que o distinguiriam como um dos maiores estilistas da língua inglesa. Mas foi com “Lolita” (1955), que descreve a paixão de um professor quarentão por sua enteada de 12 anos, que o escritor alcançou o reconhecimento e o sucesso comercial que lhe permitiram largar a atividade acadêmica para se dedicar exclusivamente à literatura.

Adaptado para o cinema por Stanley Kubkrick com roteiro do próprio Nabokov, “Lolita” foi acusado de pornográfico e indutor da pedofilia,  mas o escândalo não comprometeu os méritos literários do romance. Em 1961, o escritor mudou de país mais uma vez, passando a morar com a mulher Vera e o filho Dmitri em Montreux, na Suíça, até sua morte, em 1977.

Durante sua vida, Nabokov publicou 52 contos, reunidos em quatro volumes de 13 (as famosas “dúzias” de Nabokov). Pouco antes de morrer, selecionou mais oito para um quinto volume, que não chegou a ver. Coube a seu filho e tradutor Dmitri Nabokov fazer a seleção final dos 65 contos (cinco “dúzias”) que constavam na edição americana original dos “Contos reunidos”, aos quais foram acrescentados mais três, à medida que novos originais foram descobertos pelos pesquisadores.

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